Um Começo de Ano Embaraçoso

Apetecia-me ficar na cama, mas como dessa forma iria correr o risco de ter pesadelos e, consequentemente, um péssimo começo de ano, resolvi passar o réveillon em casa de uma amiga. Ela havia preparado uma festa privada que foi, como seria de esperar, recheada de comida, bebida, pessoas e a inevitável música (tum tum) aos berros, que impossibilitava desfrutar seriamente uma boa conversa.
Fui passando o meu tempo, durante não muito tempo, quando, no meio da batida (tungue tungue tungue), uma mulher cujo nome desconheço, mas com formas que não esquecerei, olhou para mim sorrindo e me chamou para dançar. Era alta, sensual, de cabelos negros, longos e ondulados, com um corpo que todas as raparigas que lá se encontravam desejaram silenciosamente encarnar (enquanto roíam furiosamente as uvas passas). Em bom vernáculo masculino, era aquilo que denominamos por  mulherão. Fiz-me caro, recusei amavelmente e olhei para o lado, continuando a conversa (aos berros) com uma rapariga que me fazia companhia.
Decorreu mais algum tempo até que, como que por acaso, me sentei ao lado daquela bela mulher e disse, olhando-a bem nos olhos:

— Quando passar uma música mais romântica terei todo o prazer em dançar contigo... Aconchegado...

O meu plano era simples; com esta tirada completamente inesperada pretendia atordoar a presa , enquanto a hipnotizava com um olhar bem disposto e penetrante. Já outrora havia utilizado tal artimanha, com sucesso, sendo que aguardei a reacção dela confiante. Ela olhou para mim, por uns momentos, inclinou-se perigosamente e, com um sorriso triunfante, exclamou:

— Gosto de coisas muito, mas muito mais agitadas...

Esta resposta não constava no meu plano bê. Não sei que cara terei feito, só sei que fiquei atordoado e que demorei um momento demasiado longo a reagir. Entretanto, ela levantou-se, lentamente, fazendo de conta que me ignorava, mas observando-me pelo canto do olho. Com movimentos felinos dirigiu-se para o centro da sala aonde começou a dançar, sensualmente, com uma amiga, ondulando o corpo de forma hipnotizante, enquanto o seu vestido de noite esvoaçava contidamente.
A festa prosseguiu e pouco mais teve digno de nota, ficando, no entanto, a  embaraçosa recordação de como um feitiço se pode virar contra o feiticeiro.